EM TEMPOS DE COVID-19, LEI ESTADUAL “VALE MAIS” DO QUE LEI MUNICIPAL?
Por Marilia Bugalho Pioli, advogada, sócia do escritório Becker Direito Empresarial
No intuito de minimizar os riscos – e estragos – da pandemia do COVID-19, está havendo uma enxurrada de normas, principalmente decretos, emanados das esferas municipal, estadual e federal. Como existe divergência sobre o que se pode e o que não se pode fazer entre os decretos vindos dessas três esferas, provoca-se confusão na condução das atividades empresariais. Se a norma estadual não proíbe o funcionamento de fábricas durante o período de quarentena, mas a norma municipal proíbe, a fábrica pode ou não pode funcionar? São questões práticas – e reais – como essa que nos motivam a apresentar rápidos esclarecimentos, todos baseados na Constituição Federal e em decisões judiciais. A solução da dúvida gira em torno da questão de competência, ou seja, quem pode legislar sobre o quê. Como o assunto é de um “juridiquês maçante”, tentaremos aqui apresentar a questão da forma mais simples possível, sem entrar nas discussões doutrinárias, inclusive sobre nomenclatura, tipos e classificações das competências. A divisão mais simples é a que separa a competência entre privativa (restrita apenas a um dos entes federativos) e a competência concorrente, quando mais de um dos entes pode legislar sobre a matéria. Quem define a competência é a Constituição Federal. Na competência concorrente, cabe à União legislar sobre normas gerais. Dentro da competência concorrente, os Estados e Municípios têm competência complementar, o que significa que os Estados e Municípios podem complementar a norma geral, editando normas que adicionem pormenores à regra primitiva federal. Nessa complementação, os Estados e os Municípios só podem tratar de questões que atendam às suas peculiaridades regionais/locais, mas sem contrariar a norma federal. Lei estadual e lei municipal não podem contrariar a lei federal (norma geral), mas entre a lei estadual e a lei municipal não existe hierarquia, ou seja, a lei municipal não está “abaixo” da lei estadual, o que significa que a lei estadual não é “mais importante” ou “mais válida” do que a lei municipal. Não se trata de “obediência” hierárquica. O que resguardada a competência do Município é o interesse local, que é exatamente o fator que gera a predominância do interesse municipal. A partir disso, se a lei municipal é mais restritiva do que a lei estadual, há que se verificar se há interesse local apto a justificar a maior restrição e se esse interesse não contraria a lei federal. Se houver a justificativa, a lei municipal é plenamente aplicável, ainda que a mesma restrição não haja na lei estadual. Importante reiterar: não existe hierarquia entre lei municipal e lei estadual, então a lei municipal não deve “obediência” à lei estadual e nem “vale menos” do que a estadual. Passemos a um caso real. O Município de Rondonópolis, no Estado do Mato Grosso, editou alguns Decretos determinando, em caráter obrigatório, a suspensão do funcionamento do comércio local e das indústrias, entre outras restrições devido à pandemia do Coronavírus. O Governo do Estado, que também editou Decreto, não vedou o funcionamento de indústrias. Por conta disso, a Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Rondonópolis impetrou Mandado de Segurança pedindo a suspensão das restrições do decreto municipal não existentes no decreto estadual. A situação em Rondonópolis, portanto, é a seguinte:- há uma norma federal que delimita as atividades essenciais e que estabelece que qualquer medida a ser adotada para conter a pandemia do coronavírus deve resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais (Lei no979/2020 e Decreto no 10.282/2020;
- a norma estadual permite o funcionamento de qualquer estabelecimento, garantidas as normas de segurança, prevenção e combate ao coronavírus;
- há uma norma municipal que não permite o funcionamento de todas as atividades enumeradas essenciais pelo regulamento federal.
A competência legislativa é assunto espinhoso que necessita análise detalhada no caso concreto, então ao deparar-se com decretos contraditórios, ou mesmo em caso de intimações de órgãos públicos exigindo o fechamento das atividades de sua empresa, socorra-se de sua assessoria jurídica, pois eventualmente poderá ser necessário impetrar Mandado de Segurança para fazer valer a ordem constitucional das competências.
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